Finalmente, dou por terminada esta ausência aqui da blogosfera. Mas antes de voltar à idade da pedra e dos rochedos vou colocar um post, quase de certeza, sem interesse nenhum para a maior parte dos escaladores. Trata-se do prefácio que escrevi para a tese e que trata de… eucaliptos! Pois, essa espécie amaldiçoada e de que nos habituámos ouvir dizer mal. De qualquer maneira, como creio que há pelo menos um escalador que não ficará indiferente, já vale a pena deixar aqui o texto.
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Ao longo do tempo, e mesmo antes de dar início aos trabalhos desta tese, fui-me deparando com a oposição latente e generalizada à espécie que é objecto deste estudo – o eucalipto. Esta oposição, de que damos conta muitas vezes, desde as conversas à mesa de café até aos meios mais informados e científicos, parece ter-se enraizado como um preconceito na mentalidade geral e tudo indica que dificilmente será ultrapassada, independentemente do conhecimento efectivo que já existe sobre a espécie, fruto da larga investigação das últimas décadas (e.g., Alves et al. 2007). Mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, também a mim me surgiu a necessidade de tomar uma posição e de, portanto, saber o que escrevia a ciência e o que alvitravam os investigadores, formados à beira desses eucaliptais que cresciam tão bem como os seus opositores. Mergulhei então nas polémicas dos impactes ambientais do eucalipto sobre os diferentes recursos – água, solo, biodiversidade e paisagem – desde os autores que escrevem “cobras e lagartos” dessas plantações que acusam de não os ter (Caldas 1990), até aos outros mais apologistas do uso desta espécie (Soares et al. 2007).
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Do ponto de vista científico, e em poucas palavras porque não cabe aqui alongar-me sobre o assunto, o que encontrei tranquilizou-me e vejo-me tentado a resumi-lo da seguinte forma: Utilizando as técnicas de silvicultura adequadas às específicas condições de cada meio é possível reduzir os impactes ambientais a níveis negligenciáveis. Por outro lado, não deixa de ser preciso reconhecer que ao nível da paisagem e numa escala regional, se encontram por vezes verdadeiros atentados, quer devido ao incumprimento das boas práticas, quer em consequência da ocupação desregrada de grandes extensões contínuas com plantações desta espécie (Silva et al. 2007).
Do ponto de vista científico, e em poucas palavras porque não cabe aqui alongar-me sobre o assunto, o que encontrei tranquilizou-me e vejo-me tentado a resumi-lo da seguinte forma: Utilizando as técnicas de silvicultura adequadas às específicas condições de cada meio é possível reduzir os impactes ambientais a níveis negligenciáveis. Por outro lado, não deixa de ser preciso reconhecer que ao nível da paisagem e numa escala regional, se encontram por vezes verdadeiros atentados, quer devido ao incumprimento das boas práticas, quer em consequência da ocupação desregrada de grandes extensões contínuas com plantações desta espécie (Silva et al. 2007).
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No entanto, para além dos possíveis efeitos deletérios numa hipotética e indefinida qualidade ambiental, a expansão do eucalipto é significativa pelas importantes e concomitantes transformações do mundo rural que lhe estão na origem e que lhe estão associadas. E é por essa perspectiva que se compreende que a atribuída degradação estética da paisagem, se deve não tanto ao aumento das áreas de eucaliptal mas à “desordenação” do território, resultante, em grande parte, do abandono dos campos pela agricultura e à perda dessa malha estruturante. O tão apregoado drama da eucaliptização do país foi, afinal, muito mais o drama do fim de uma ordem tradicional rural onde as gentes tinham o seu lugar definido, num equilíbrio com o meio e numa harmonia que atravessava os séculos. Aliás, como bem o viu e expressou Oliveira Baptista (2007) num ajustado trecho: “Esta resistência (ao eucalipto) correspondeu ao confronto com uma mudança profunda, à constatação inevitável e visual que o espaço deixara de ser os campos que se trabalhavam e que se percorriam. Os eucaliptais apareciam com o consagrar da ruptura das populações com o espaço que as rodeava, e que estas agora viam com distância e exterioridade. A recusa dos eucaliptos era, assim, a descoberta da paisagem e, simultaneamente, a recusa do símbolo que as populações associavam às transformações que viviam”. Esta exterioridade forçada, que correspondeu na prática ao fim de um modo de vida secular, imposta pelas altas leis das economias e do mercado comum, foi o verdadeiro drama de um mundo rural que agonizava, órfão das preocupações governamentais e abandonado à sua sorte. E com o fim desse mundo, o camponês, esse “homem eterno” que atravessava imutavelmente o tempo, deixou aí de ter lugar e de integrar o espaço, completando-o. Assim, a natural revolta dos camponeses contra o eucalipto transcende em muito a árvore que lhe invadiu os campos ainda antigos.
No entanto, para além dos possíveis efeitos deletérios numa hipotética e indefinida qualidade ambiental, a expansão do eucalipto é significativa pelas importantes e concomitantes transformações do mundo rural que lhe estão na origem e que lhe estão associadas. E é por essa perspectiva que se compreende que a atribuída degradação estética da paisagem, se deve não tanto ao aumento das áreas de eucaliptal mas à “desordenação” do território, resultante, em grande parte, do abandono dos campos pela agricultura e à perda dessa malha estruturante. O tão apregoado drama da eucaliptização do país foi, afinal, muito mais o drama do fim de uma ordem tradicional rural onde as gentes tinham o seu lugar definido, num equilíbrio com o meio e numa harmonia que atravessava os séculos. Aliás, como bem o viu e expressou Oliveira Baptista (2007) num ajustado trecho: “Esta resistência (ao eucalipto) correspondeu ao confronto com uma mudança profunda, à constatação inevitável e visual que o espaço deixara de ser os campos que se trabalhavam e que se percorriam. Os eucaliptais apareciam com o consagrar da ruptura das populações com o espaço que as rodeava, e que estas agora viam com distância e exterioridade. A recusa dos eucaliptos era, assim, a descoberta da paisagem e, simultaneamente, a recusa do símbolo que as populações associavam às transformações que viviam”. Esta exterioridade forçada, que correspondeu na prática ao fim de um modo de vida secular, imposta pelas altas leis das economias e do mercado comum, foi o verdadeiro drama de um mundo rural que agonizava, órfão das preocupações governamentais e abandonado à sua sorte. E com o fim desse mundo, o camponês, esse “homem eterno” que atravessava imutavelmente o tempo, deixou aí de ter lugar e de integrar o espaço, completando-o. Assim, a natural revolta dos camponeses contra o eucalipto transcende em muito a árvore que lhe invadiu os campos ainda antigos.
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Sem dúvida, que mesmo para quem não tem laços profundos com o mundo rural, há algo de chocante quando, passeando por esse país fora, a única ordem que se encontra em muitas paisagens nos é dada pelas fileiras alinhadas das plantações de eucaliptos. Decerto, essa floresta não satisfaz a nossa necessidade, muitas vezes subconsciente, do elemento natural. Todavia, não faz sentido exigir a esta silvicultura de produção intensiva que cumpra as funções que se esperam das florestas semi-naturais. Não é, pois, o eucalipto que está a mais nesse território entregue a si próprio, mas um ordenamento e uma responsabilidade de intervenção sobre a paisagem que se encontram em falta. Como já muitas vezes se repetiu, o eucalipto é uma árvore “decente” e cumpre a sua função, isto é, a de criar um espaço muito humano algures a meio caminho entre uma seara e uma floresta. E como qualquer árvore, para além de ser um elemento vertical da paisagem, evoca também as colunas ascendentes dos templos sagrados, simbolizando pontes vivas entre a terra e o céu.
Sem dúvida, que mesmo para quem não tem laços profundos com o mundo rural, há algo de chocante quando, passeando por esse país fora, a única ordem que se encontra em muitas paisagens nos é dada pelas fileiras alinhadas das plantações de eucaliptos. Decerto, essa floresta não satisfaz a nossa necessidade, muitas vezes subconsciente, do elemento natural. Todavia, não faz sentido exigir a esta silvicultura de produção intensiva que cumpra as funções que se esperam das florestas semi-naturais. Não é, pois, o eucalipto que está a mais nesse território entregue a si próprio, mas um ordenamento e uma responsabilidade de intervenção sobre a paisagem que se encontram em falta. Como já muitas vezes se repetiu, o eucalipto é uma árvore “decente” e cumpre a sua função, isto é, a de criar um espaço muito humano algures a meio caminho entre uma seara e uma floresta. E como qualquer árvore, para além de ser um elemento vertical da paisagem, evoca também as colunas ascendentes dos templos sagrados, simbolizando pontes vivas entre a terra e o céu.
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Referências:
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Alves, A.M., J.S. Pereira e J.M.N. Silva 2007. O Eucaliptal em Portugal. Impactes Ambientais e Investigação Científica. Eds. A.M. Alves, J.S. Pereira e J.M.N. Silva. ISAPress, Lisboa. 398 p.
Referências:
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Alves, A.M., J.S. Pereira e J.M.N. Silva 2007. O Eucaliptal em Portugal. Impactes Ambientais e Investigação Científica. Eds. A.M. Alves, J.S. Pereira e J.M.N. Silva. ISAPress, Lisboa. 398 p.
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Caldas, E.C. 1990. O drama da campanha do Eucalipto. In Colóquio: Eucalipto. Economia e Território. Sociedade Portuguesa de Estudos Rurais, Lisboa, pp. 99-108.
Caldas, E.C. 1990. O drama da campanha do Eucalipto. In Colóquio: Eucalipto. Economia e Território. Sociedade Portuguesa de Estudos Rurais, Lisboa, pp. 99-108.
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Oliveira Baptista, F. 2007. Prefácio. In O Eucaliptal em Portugal. Impactes Ambientais e Investigação Científica. Eds. A.M. Alves, J.S. Pereira e J.M.N. Silva. ISAPress, Lisboa, pp. 6-10.
Oliveira Baptista, F. 2007. Prefácio. In O Eucaliptal em Portugal. Impactes Ambientais e Investigação Científica. Eds. A.M. Alves, J.S. Pereira e J.M.N. Silva. ISAPress, Lisboa, pp. 6-10.
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Silva, J.S., E. Sequeira, F. Catry e C. Aguiar 2007. Os contras. In Pinhais e eucaliptais – A floresta cultivada. Ed. J.S. Silva. Jornal Público/ Fundação Luso – Americana para o Desenvolvimento/ Liga para a Protecção da Natureza, Lisboa, pp. 221-259.
Silva, J.S., E. Sequeira, F. Catry e C. Aguiar 2007. Os contras. In Pinhais e eucaliptais – A floresta cultivada. Ed. J.S. Silva. Jornal Público/ Fundação Luso – Americana para o Desenvolvimento/ Liga para a Protecção da Natureza, Lisboa, pp. 221-259.
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Soares, J., L. Leal, P. Canaveira, F. Goes e A. Fialho 2007. Porquê cultivar o eucalipto? In Pinhais e eucaliptais - A floresta cultivada. Ed. J.S. Silva. Jornal Público/ Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento/ Liga para a Protecção da Natureza, Lisboa, pp. 185-219.
Soares, J., L. Leal, P. Canaveira, F. Goes e A. Fialho 2007. Porquê cultivar o eucalipto? In Pinhais e eucaliptais - A floresta cultivada. Ed. J.S. Silva. Jornal Público/ Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento/ Liga para a Protecção da Natureza, Lisboa, pp. 185-219.
7 comentários:
Quem será o escalador que não ficará indiferente a este texto? Miguel, quem será?
Paulo Roxo
muito boa analise Filipe.
Sem duvida o papel do eucalipto e presenca na paisagem tem sido muitas vezes contestado de uma forma empirica e cientifica. Como em todas as analise que cruzam sociedade e natureza e, tendo em conta o conservacionismo - amplo em perspectivas - ha que pensar e ver o factor humano/de humanizacao que muito bem citaste.
Abraco,
Cuca
PS- teclado bife!
Sem duvida uma excelente análise e especialmente uma muito boa exposição do seu fuandamento e conteudo.
Este é sem duvida um tema que daria resmas de comments de discussão e longas conversas em seu redor.
Técnicamente sabendo o papel, a importancia e as consequencias (positivas e negativas) que este aparente "monstro de sete-cabeças" tem na nossa sociedade, sem duvida que a sua generalizada péssima "fama" é fruto de fundamentos muito mais profundos e complexos do que a biologia da pobre árvore. Questões socio-económicas, estrutura do regime fundiário, politica florestal, ordenamento do território, fogos florestais, opinião publica, desfragmentação do mosaico rural, ecologia e ambientalistas...e tantos e tantos factores mais acrescem ao rol das razões para as consequencias mais nefastas da extensa cultura do eucalipto no nosso país.
Deixemos esta extraordinária árvore de parte e no momento de tecer as nossas revoltadas criticas, olhemos em volta e para e interior do nosso mundo e origens e pensemos, afinal quem é o culpado. Quem é o monstro?
Depois de ler esse prefácio acho sinceramente, que valeu a pena as (poucas) vias que ficaram por encadear!
Parabéns por mais esta etapa!
A oposiçao ao eucalipto nao e' um simples "perconceito".
E nao e "por vezes" que se encontram verdadeiros atentados. Os atentados da monocultura do eucalipto sao a norma, incluindo nas plantaçoes da Portucel.
Nem sequer seriam necessarios estudos cientificos para testemunhar a contribuiçao nefasta desta arvore exotica para os solos, cursos de agua, fogos e perda radical de biodiversidade. Para alem disso vem da Australia, o que por si so nunca deveria ter sido cultivada extensamente em Portugal, para prejuizo da flora i fauna autoctones.
Portugal tem 31% do total mundial de E. globulus, mais do dobro do que a propria Australia de onde e originario.
O sucesso do eucaliptal em Portugal e o espelho de um pais corrupto, com niveis de educaçao e associativismo muito baixos.
O lucro facil e rapido proporcionado pelo eucaliptal e a opçao preguiçosa de muitos perante uma situaçao de desvalorizaçao da floresta e todo o mundo rural, assim como a degradaçao irreparavel dos solos.
O eucaliptal em Portugal nao e inevitavel e sera sempre combatido para que algo o mais proximo possivel de ecossistemas naturais possam regressar.
Nao e uma ideia utopica minha. Milhoes de voluntarios, cientistas i gestores ambientais entre outros, trabalham por todo o mundo com esse objectivo.
Com um pouco de organizaçao e trabalho e' possivel fazer muito melhor.
A oposiçao ao eucalipto nao e' um simples "preconceito".
E nao e' "por vezes" que se encontram verdadeiros atentados. Os atentados da monocultura do eucalipto sao a norma, incluindo nas plantaçoes da Portucel.
Nem sequer seriam necessarios estudos cientificos para testemunhar a contribuiçao nefasta desta arvore exotica para os solos, cursos de agua, fogos e perda radical de biodiversidade. Para alem disso vem da Australia, o que por si so nunca deveria ter sido cultivada extensamente em Portugal, para prejuizo da flora i fauna autoctones.
Portugal tem 31% do total mundial de E. globulus, mais do dobro do que a propria Australia de onde e originario.
O sucesso do eucaliptal em Portugal e' o espelho de um pais corrupto, com niveis de educaçao e associativismo muito baixos.
O lucro facil e rapido proporcionado pelo eucaliptal e' a opçao preguiçosa de muitos perante uma situaçao de desvalorizaçao da floresta e todo o mundo rural, assim como a degradaçao irreparavel dos solos.
O eucaliptal em Portugal nao e' inevitavel e sera sempre combatido para que algo o mais proximo possivel de ecossistemas naturais possam regressar.
Nao e uma ideia utopica minha. Milhoes de voluntarios, cientistas i gestores ambientais entre outros, trabalham por todo o mundo com esse objectivo.
Com um pouco de organizaçao e trabalho e' possivel fazer muito melhor.
Ok, André, deu para perceber o teu ponto de vista. Mas como cada contestação tua necessitaria de uma discussão em mesa redonda de muitas horas é impossível responder-te aqui. De qualquer maneira as generalizações que fazes são arriscadas. Cada caso é um caso e nada é absolutamente mau para todas as circunstâncias e diferentes lugares.
...por exemplo, os rebuçados de eucalipto até que não são maus.
abc
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