Os escaladores sofrem, sacrificam-se, investem-se, consomem-se, atiram-se inteiros para esses grandes desafios. Qual será o apelo desses abismos verticais, negros e brancos? Merecem esses penhascos de rocha bruta alguma admiração? Esse caos vertical açoitado por ventos, pedras e neve será mais do que isso mesmo? Qual o valor real das montanhas e das grandes paredes?...
O valor não está nelas, como bem o disse W. Bonatti: “O valor das grandes montanhas é o dos homens que se mediram contra elas, de resto não passam de amontoados de pedras”. São os escaladores que se mediram contra o Eiger, sobretudo os primeiros, que fazem dela uma parede grandiosa. E agora a interrogação é outra. O que é que leva um escalador a querer medir-se contra a montanha? Aí, já a resposta será tão diversa como os escaladores o são. No entanto, uma certeza permanece. Só contra uma montanha se pode medir um homem e o seu infinito que ele desconhece e quer conhecer.
À sombra dessa parede, esperando o azul do céu, imagino os “nossos” dois escaladores irrequietos, na fronteira de cumprir um sonho ou ter que abandoná-lo uma vez mais. Aguentar muitos dias há espera de escalar pode ser ainda mais difícil que a própria escalada. Quem sabe mesmo se os próprios nervos não estarão mais perto de quebrar nessa situação do que na outra. A inacção forçada num corpo que é uma pilha de energia acumulada (ao largo de muitos meses) e mentalizado para um único objectivo, pode facilmente levar a um curto-circuito. Daqui a importância de um bom humor à prova de bomba, qualidade se calhar das mais importantes para um escalador de grandes paredes e montanhas.
Não se pode ir sempre para cima. Mesmo que ao “para cima” tenhamos dado um peso absoluto. E para animar os dois Eigeronautas deixo-lhes aqui uma história de uma outra retirada da parede, passada há muitas décadas, mas dentro do mesmo espírito.
Tom Patey e Don Whillans dois grandes escaladores dos anos 50 e 60 numa retirada da face Norte do Eiger, por a parede estar numas condições terroríficas, encontram dois japoneses em vias de ir para cima. Tom Patey no seu livro “One man’s Mountains” narra com bom-humor esse episódio numa curta história intitulada “A short walk with Whillans”.
“God Almighty,” said Whillans, “Japs! Come and see for yourself!”
Sure enough, there they were. Two identical little man in identical climbing uniforms, sitting side by side underneath an overhang. They had been crouching there for an hour, waiting for the bombardment to slacken...
“You Japs?” grunted Don. It seemed an unnecessary question.
“Yes, yes,” they grinned happily, displaying a full set of teeth. “we are Japanese.”
“Going-up,” queried Whillans. He pointed meaningfully at the grey holocaust sweeping down from the White Spider.
“Yes, yes,” they chorused in unison. “Up. Always upwards. First Japanese ascent.”
“You-may-be-going-up-Mate,” said Whillans, giving every syllable unnecessary emphasis, “but-a-lot-‘igher-than-you-think!”
They did not know what to make of this, so they wrung his hand several times, and thanked him profusely for the advice.
“ ’Appy little pair!” said Don, “I don’t imagine that we’ll ever see them again.”
O valor não está nelas, como bem o disse W. Bonatti: “O valor das grandes montanhas é o dos homens que se mediram contra elas, de resto não passam de amontoados de pedras”. São os escaladores que se mediram contra o Eiger, sobretudo os primeiros, que fazem dela uma parede grandiosa. E agora a interrogação é outra. O que é que leva um escalador a querer medir-se contra a montanha? Aí, já a resposta será tão diversa como os escaladores o são. No entanto, uma certeza permanece. Só contra uma montanha se pode medir um homem e o seu infinito que ele desconhece e quer conhecer.
À sombra dessa parede, esperando o azul do céu, imagino os “nossos” dois escaladores irrequietos, na fronteira de cumprir um sonho ou ter que abandoná-lo uma vez mais. Aguentar muitos dias há espera de escalar pode ser ainda mais difícil que a própria escalada. Quem sabe mesmo se os próprios nervos não estarão mais perto de quebrar nessa situação do que na outra. A inacção forçada num corpo que é uma pilha de energia acumulada (ao largo de muitos meses) e mentalizado para um único objectivo, pode facilmente levar a um curto-circuito. Daqui a importância de um bom humor à prova de bomba, qualidade se calhar das mais importantes para um escalador de grandes paredes e montanhas.
Não se pode ir sempre para cima. Mesmo que ao “para cima” tenhamos dado um peso absoluto. E para animar os dois Eigeronautas deixo-lhes aqui uma história de uma outra retirada da parede, passada há muitas décadas, mas dentro do mesmo espírito.
Tom Patey e Don Whillans dois grandes escaladores dos anos 50 e 60 numa retirada da face Norte do Eiger, por a parede estar numas condições terroríficas, encontram dois japoneses em vias de ir para cima. Tom Patey no seu livro “One man’s Mountains” narra com bom-humor esse episódio numa curta história intitulada “A short walk with Whillans”.
“God Almighty,” said Whillans, “Japs! Come and see for yourself!”
Sure enough, there they were. Two identical little man in identical climbing uniforms, sitting side by side underneath an overhang. They had been crouching there for an hour, waiting for the bombardment to slacken...
“You Japs?” grunted Don. It seemed an unnecessary question.
“Yes, yes,” they grinned happily, displaying a full set of teeth. “we are Japanese.”
“Going-up,” queried Whillans. He pointed meaningfully at the grey holocaust sweeping down from the White Spider.
“Yes, yes,” they chorused in unison. “Up. Always upwards. First Japanese ascent.”
“You-may-be-going-up-Mate,” said Whillans, giving every syllable unnecessary emphasis, “but-a-lot-‘igher-than-you-think!”
They did not know what to make of this, so they wrung his hand several times, and thanked him profusely for the advice.
“ ’Appy little pair!” said Don, “I don’t imagine that we’ll ever see them again.”
3 comentários:
Da primeira vez, à três anos, no mês de Junho, chegámos (o Miguel e eu), à estação de comboios situado na base do ogre, para observar a face norte a derreter como um gelado, tal era o calor. Excelente desculpa para fugir para Espanha e abrir uma via que baptizámos com o nome Eiger-NO-Wand.
Dois anos atrás, nova tentativa, desta vez acompanhados pelo Nuno (Larau). Desta, entrámos efectivamente nos meandros negros da parede para, chegar à conclusão (só após de curtir um bom bivaque numa covinha antes da famosa travessia Hinterstoisser) que seria impossivel chegar ao cume em menos de dois meses (está bem, exagero!), dada a acumulação de neve na montanha. Com o rabinho entre as pernas retirámos e... lá fomos de novo para Espanha em busca de uma pequena compensação, em forma de calcário perfeito.
Desta ultima vez, esperámos... esperámos...esperámos...e...DESESPERÁMOS! Quando, finalmente, lá surgiu a tal janelinha de bom tempo, corremos desenfreados para escavar uma trincheira de maluquinhos até à base do Eiger e... pisgar-nos para espanha em busca da tal pequena compensação em forma de... CHUVA E NEVE!
Conclusão: O Eiger será sempre uma excelente desculpa para ir a Espanha escalar qualquer coisa (ou, pelo menos, tentar).
Filipe, muito obrigado pela força!
Paulo Roxo
Confesso, que ao final da nossa terceira tentativa, por vezes, muitas destas questões povoam subtilmente profundos recantos do meu pensamento em noites plenas de estrelas que brilham reluzentemente no escuro céu, mas submerso numa gigantesca tormenta de confusas explicações sem sentido em longas horas de insónias.
Até ao dia de hoje, apenas uma conclusão consigo retirar deste tanto tempo perdido, retirado involuntariamente das doces e agradáveis horas de sono. Este é sem duvida um grandioso Ogre, uma grandiosa parede numa horrivelmente bela montanha sobre a qual um involuntário desejo leva-nos numa busca do infinito desconhecido, talvez quem sabe, tentado de alguma forma fugir do perfeitamente por todos conhecido.
Desta vez, após dias e dias de espera (década e meia de sonho e quatro anos de tentativas), corroídos pela pressão dos nervos e pela ânsia de actividade, camuflados sobre uma aparentemente inesgotável paciência, uma vez mais, apenas o bom humor reinante, como tão bem referes, foi a salvação para o iminente curto-circuito.
«Não se pode ir sempre para cima!»
Filipe, obrigado por tudo!
Miguel Grillo
Todos os reveses apenas darão mais sabor à sensação de pôr os pés em cima da cabeça do Ogre.
Não tem nada que agradecer.
Abcs
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