terça-feira, dezembro 19, 2006

Quintos à moda da casa

Dizem as más-línguas que o ambiente por aqui está um pouco ácido, pelo que decidi adoçar a coisa com umas receitas fáceis e rápidas. A comparação não é descabida pois todo o escalador pode ser visto pelo prisma do que come, isto é, “diz-me a que vias vais dir-te-ei quem és”...

Como quase todos os cozinheiros desta casa, comecei por marinar em quintos tenrinhos saboreando pratos como a “Alcatifa” ou a “Directa” à moda da Guia. Como os putos que fazem gemadas e se crêem grandes cozinheiros, eu escalava em top e ia contente para casa até ao dia em que me explicaram que para cozinhar é preciso usar o fogão...

1ª Receita – Quinto Tenrinho

Ingredientes:
- ténis apertados;
-3 m de Fita de escalada (ou de estores);
- um amigo escuteiro.

Preparação: Amassar a fita à volta da cintura, dar a volta para montar o top e ir mexendo bem em todas as presas ate que os antebraços estejam bem rijinhos. À boleia, a pé ou a fugir ao Picas, voltar para casa e saborear, até nova passagem pelo corredor que conduz à cozinha.

Mais tarde, cansado de tantos pratos frios, aprendi a técnica do Banho-maria. Especialidades dessa época eram a “In-Extremis” e a “Bebé” em Sintra ou a Equilíbrio na Guia. A técnica não permitia grandes temperaturas, pelo que só depois de experimentadas em top é que me aventurava a acender o lume.

2ª Receita – Quinto em Banho-maria

Ingredientes:
- arnês em segunda mão;
- esparguete de 40 m (comprado a meias);
- expresses q.b.

Preparação: Quando a via estiver bem tenrinha e mexidinha, prender o fogão e deixar cozinhar lentamente. Quando não restar quase mais água, agarrar com força a tampa do tacho, seja ela de cabo de aço ou de corrente e apagar o lume. Escorrer com cuidado para não deixar cair o esparguete.

Quase esgotado o livro de receitas tradicionais portuguesas, o passo seguinte foi a cozinha espanhola. Provando especialidades locais como a “La dura vida de un Freak” e “Poema Roca” iniciámo-nos nesta tão variada cozinha. Ao ritmo de 10 pratos por dia e sem saltar nenhuma refeição, enchemos a barriga de autênticas iguarias locais, chegando mesmo a sentir o aroma de pratos como a famosa “Lourdes” ou as “Musas inquietantes”, de confecção demasiado complicada na altura.

3ª Receita – Quinto à moda do Chorro

Ingredientes:
- mochila cheia de latas;
- bilhete para as 18 h Lisboa-Málaga em camioneta;
- duas ou três tendas;
- uma mão cheia de amigos;
- três pitadas de masoquismo;
- livro de receitas fotocopiado (500 pesetas na altura era uma fortuna!);
- muito fanatismo.

Preparação: Bem temperado por bons voos, cozinhar sem parar do nascer do sol até não restarem mais forças. Alternar com o clássico prato de atum, na sua variante esparguete ou arroz, papas Nestum e bolachas Maria (na verdade ainda não éramos grandes cozinheiros!).

Motivados por esta enriquecedora viagem gastronómica, decidimos acrescentar novos pratos ao cardápio nacional. Com uma varinha mágica emprestada, espátula numa mão e farinha sikadur na outra começámos a cozinhar a alta temperatura e do forno saíram autenticas especialidades como a “Moura maldita”, “Último reduto” e “Deus do Vento”.

4ª Receita – Quinto Rijinho

Ingredientes:
- 1 boa dose de rocha virgem;
- pernos e plaquetes q.b.;
- 250 g de farinha sikadur.

Preparação: com uma escova limpar bem o tacho, untar bem com suor e levar ao forno. Tínhamos melhorado e os pratos estavam cada vez mais saborosos, mas ainda faltava um pouco de sal ou pimenta e alcançar a consistência perfeita. Decidimos enriquecer a doçaria para começar a produzir os verdadeiros QUINTOS DUROS.

5ª Receita - Quinto Duro

Ingredientes:
- rocha rija ou madura;
- friends e entaladores;
- 1 ou 2 perninhos;
- um pouco de inconsciência e bastante sangue frio.

Preparação: com mais ou menos pimenta, cozinhar sempre a altas temperaturas. No caso de a coisa estar demasiado picante adicionar perninhos de forma moderada. Mexer suavemente (especialmente se usar rocha madura).

Conselhos: acompanhar com uma boa imperial. Estar preparado para reclamações, já que nem todos os paladares estão preparados para tão fina culinária.
Ao contrário do que o nome desta pastelaria possa sugerir, aqui ninguém domina a sua confecção pelo que de vez em quando lá desenformamos um Quinto Rijo ou mesmo um Quinto Mole. Ainda assim, arriscamos esta receita para os que se quiserem iniciar nesta especialidade. Como bons exemplares desta nova cozinha temos a “Tomatada”, o “Palácio da Lua” ou a “Directa dos Chorões”. Não se preocupem os ecologistas que os chorões são uma espécie infestante e desta iguaria só há dois testemunhos. Convido o cozinheiro careca deste restaurante a desvendar a receita!
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Por Francisco Ataíde

5 comentários:

FCS disse...

Grandes receitas! Quem quiser saber de outras terá de procurar o esgotadíssimo livro " Le Chef Ataíde a la table" da Editora Quinto-Duro.

Anónimo disse...

Já estou com água na boca (e as mãos a suar)!

Anónimo disse...

Francisco....Francisco...muito, muito...muito BOM! Que belo livro de cozinha. Se este é assim, sem duvida que quero ver o "Le Chef Ataíde a la table".

Confesso que gosto de quase todos os pratos, mas sem hesitações o meu paladar prefere a ultima receita (embora raras vezes tenha "unhas" para ela).

M. Grillo

Anónimo disse...

Uma "aquisição" de peso para o blog. Optimas histórias do Francisco. O patrão do blog deve pagar bem :). Veio o FCS, o Cuca e agora o Francisco Ataide. Quem será o próximo?
RicrdoC

Chorão disse...

Iguarias de comer e chorar por mais!